Filipe Alves
Filipe Alves
Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, Agência Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação (MARE-Madeira)

o relatório de dezembro de 2019 do Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que uma única baleia é capaz de sequestrar em média 33 toneladas de CO2 da atmosfera ao longo da sua vida (>60 anos), depositando-o no fundo do leito submarino na sua enorme massa corporal. Este é um valor muito superior ao capturado, por exemplo, por uma árvore para o mesmo período, que ronda as 2,2 toneladas.

Baleias: de seres icónicos a reguladores do ecossistema

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“Era uma vez uma baleia…” podia ser o início de mais um de muitos contos que cativam leitores e ouvintes de todas as idades ou profissões para os mistérios e beleza do maior ecossistema do planeta Terra: o oceano!

Perante a perspetiva humana, as baleias desempenharam ao longo dos tempos um papel impulsionador à exploração do incrível mundo submarino que nos rodeia. Inspiraram histórias fantásticas através de livros, documentários e até filmes de Hollywood (ex. ‘Moby Dick’, ‘No coração do mar’), assim como são responsáveis por inúmeras expedições e publicações científicas.

Pode-se afirmar com toda a certeza que atingiram a consciência da maioria dos humanos, levando assim o oceano a todos os cantos do globo e obtido o estatuto de seres icónicos. 

Contudo, para além desse estatuto que as baleias adquiriram, e de todos os benefícios sócio-culturais (ex. museus, arte, educação) e económicos (caça à baleia durante séculos e observação comercial – whale-watching – nas últimas décadas) bem conhecidos que proporcionam à nossa sociedade, qual o verdadeiro papel biológico das baleias no ecossistema?

Há já algumas décadas que são conhecidas por serem uma peça fundamental na manutenção da estrutura e funcionamento dos habitats marinhos, atuando como verdadeiros ‘engenheiros dos oceanos’ a nível global. Para além de serem animais de grande porte do topo da cadeia alimentar e habitarem todos os mares e oceanos, são ainda indicadores da saúde e produtividade do ecossistema, pois ao contrário dos argumentos de alguns países defensores da caça à baleia, um aumento na sua abundância conduz a um consequente enriquecimento de toda a cadeia trófica (i.e., as suas fezes contribuem para o aumento do fitoplâncton, passando pelo zooplâncton, até aos peixes).

Recentemente, o relatório de dezembro de 2019 do Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou que uma única baleia é capaz de sequestrar em média 33 toneladas de CO2 da atmosfera ao longo da sua vida (>60 anos), depositando-o no fundo do leito submarino na sua enorme massa corporal. Este é um valor muito superior ao capturado, por exemplo, por uma árvore para o mesmo período, que ronda as 2,2 toneladas. Estes animais, ao transportarem e misturarem nutrientes de diferentes profundidades e latitudes, levam ao aumento da produtividade do fitoplâncton que é responsável por produzir 50% do oxigénio existente na atmosfera e por acumular 40% de todo o carbono produzido.

Aqui uns parênteses para colocar estes números e sua importância em perspetiva: esta é a percentagem equivalente à acumulada por 4 florestas Amazónicas! Este aumento do fitoplâncton tem por sua vez um impacto na produtividade da indústria pesqueira (estimada em 150 biliões USD) e demais serviços ecossistémicos que contribuem para manter a biodiversidade do nosso planeta. Como hoje em dia é difícil não incorporar e quantificar o aspeto económico de qualquer assunto em debate, o mesmo relatório do FMI estima que uma baleia pode valer 2 milhões USD.

De entre as várias espécies de grandes baleias candidatas ao título de embaixador dos oceanos, o cachalote é, sem dúvida, um dos nomeados. Com o objetivo de aumentar o conhecimento científico do uso de habitat e da condição fisiológica do cachalote nas águas insulares da Macaronésia, investigadores do MARE-Madeira e Observatório Oceânico da Madeira estão a liderar o ‘Whale Tales Project’ (financiado pelo “FUNDO para a Conservação dos Oceanos”, do Oceanário de Lisboa e Fundação Oceano Azul). Com este projeto, em analogia à evolução da exploração das baleias enquanto recurso (i.e., da baleação ao whale-watching), pretende-se fazer a ponte de conhecimento para o público em geral passando a mensagem de que, para além de seres icónicos, as baleias são vitais para a preservação do nosso planeta.

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